quinta-feira, 6 de junho de 2019

Com ou sem ideologia?

Os resultados das eleições Europeias do dia 26 de Maio em Portugal deveriam deixar qualquer regime Democrático  preocupado. Vou focar apenas o caso português, e não me cinjo apenas aos resultados e na participação com elevada abstenção, temos também de analisar para além desses resultados, não só do ponto de vista quantitativo mas também qualitativo. Se por um lado a elevada abstenção é por si só preocupante, reveladora do desinteresse do eleitorado na política, por outro as opções em termos de oferta e conteúdo não corresponderam, nem criaram empatia.
Os resultados revelam algo tão ou mais preocupante quanto a abstenção e que tem conduzido muitos partidos a abandonar os fundamentos da sua existência ou simplesmente a desprezar o conteúdo fundador, resultado da subscrição de sete mil e quinhentas assinaturas pelo menos, para que sejam legitimados publicamente.
O que leva os partidos a tendencialmente abandonarem a matriz ideológica são as novas realidades,  a  massificação,  multiplicidade e volatilidade das opiniões, resultado de uma maior participação das pessoas através das novas tecnologias de informação, das redes sociais, que tornou tudo mais imediato e mais oportuno. Se dantes as pessoas tinham a preocupação em ler os fundamentos ideológicos deste ou daquele partido para fazerem uma escolha, hoje essa preocupação praticamente desapareceu e tudo devido a uma categorização do eleitorado que até meados dos anos noventa nunca existiu. Hoje existem três categorias de eleitorado que eu decidi hierarquizar numa estrutura piramidal: o eleitorado ideológico que eu coloco no topo da pirâmide, no meio, o eleitorado temático e na base, o eleitorado "ignorante  e/ou  interesseiro".
Perante esta nova categorização, resultado das transformações sociais, nomeadamente no que respeita no acesso, divulgação e interacção com a informação, os partidos políticos têm abandonado progressivamente o eleitorado do topo da pirâmide para se deslocarem cada vez mais para o meio e para a base para colher o maior numero de votos, e assim se justifica o crescimento de partidos como o PAN que se centra nas politicas de "defesa de direitos dos animais", preocupação com as espécies nos diversos ecossistemas, a alimentação das pessoas, etc, tudo muito temático, mas que acaba por resultar, de acordo com esta nova categorização de eleitorado. Mas existem outros exemplos na Europa, como é o caso de partidos soberanistas, anti-imigração, também eles temáticos que acabam por alcançar não só o meio da pirâmide como também a base e neste caso, o mais notório actualmente de crescimento político. Se perderem algum tempo a lerem os princípios e fundamentos destes partidos, facilmente conseguem depreender que a principal mudança foi também o abandono progressivo do topo da pirâmide, não digo apenas do eleitorado mas dos chavões marcadamente ideológicos como por exemplo: a troca de vocábulos "Nacionalista" por "Patriota", "Identitário", "Soberanista", muito mais suave para o ouvido das pessoas, assim se explica o crescimento da RN, da LEGA e até o surgimento do VOX, apesar deste ultimo ser uma amalgama mais complexa. Mas não é só à Direita que acontece este fenómeno, a queda dos partidos comunistas na Europa também resulta do facto de apenas se concentrarem no eleitorado cada vez mais diminuto do topo da pirâmide, uma vez que a ortodoxia ideológica do comunismo ligado ao autoritarismo assim o obriga e consequentemente também os condena ao envelhecimento e extinção. 
Os resultados obtidos pelo CDS, nestas eleições europeias, é o exemplo mais notório da consequência da aproximação ao topo da pirâmide e isso foi percebido pela sua líder. Já o PSD, ao tentar uma mudança do topo para a base, com um reposicionamento à esquerda, levou a um descrédito total generalizado e à pulverização tanto à esquerda como à direita. Já os partidos como o PS e o BE têm tido resultados positivos, apenas consequência do foi referido em relação aos outros dois partidos CDS e PSD, conjugado com o abandono oportuno de ambos, do topo da pirâmide para a base. Em conclusão, os partidos que souberem progressivamente adaptarem o discurso a um programa mais temático, de causas e menos conteúdo e velhos chavões ideológicos conseguirá crescer e ao mesmo tempo contribuir para captar indecisos e abstencionistas, ajudando a democracia a manter-se por mais uns anos.